terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Biodiesel: Dilema Cerca Inclusão Social no Programa
Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e Petrobras Biocombustível (PBio) destacam passos dados e fazem projeções para incluir mais famílias. Acadêmicos e organizações veem série de problemas que seguem em aberto
Por Antônio Biondi* e Maurício Hashizume**
O desafio da inclusão social por meio da produção de agrocombustíveis continua em aberto. Enquanto representantes do governo federal – que idealizou e mantém há seis anos o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) – e da estatal Petrobras Biocombustível (PBio) – agente econômica de peso que vem atuando com força no setor desde 2009 – tendem a sublinhar passos no sentido da integração de pequenos produtores espalhados pelo país, analistas, pesquisadores da área e integrantes de movimentos sociais camponeses levantam um amplo rol de problemas e limitações relacionadas ao processo de incentivo e apoio à produção com efeitos reais para a superação do quadro de vulnerabilidade.
A questão dos efetivos reflexos no âmbito da conformação da sociedade esteve no centro das discussões do seminário ”Políticas públicas e inclusão social através dos biocombustíveis”, realizado no último dia 14 de dezembro, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de Sâo Paulo (FEA/USP). O evento, que contou com participação de diversos setores sociais, foi promovido pelo Núcleo de Economia Socioambiental (Nesa), ligado à FEA/USP, em parceria com a ONG Repórter Brasil, a Universidade Federal do ABC (UFABC) e a Universidade de Wageningen, da Holanda.
Na esteira da adesão ampliada de 103 a 109 mil famílias associadas nos 63 pólos de produção de biodiesel, Marco Antônio Leite, coordenador geral da área na Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), destacou o investimento do governo no suporte ao cooperativismo (com especial atenção no incremento da capacidade de gestão), na assistência técnica e na pesquisa e inovação.
De acordo com Marco Antônio, o MDA firmou ainda contratos com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para a formação de equipes de profissionais (como engenheiros, advogados e economistas) que estarão circulando pelas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Paralelamente, estão sendo montadas Unidades Técnicas Demonstrativas, Centros de Excelência (compartilhados com governos estaduais) e de Referência, com envolvimento de universidades e centros de pesquisas, que pretendem se dedicar a diversas análises que vão desde a formação de preços dos agrobombustíveis até à participação mais ampla da agricultura familiar na referida cadeia produtiva.
Apesar dos esforços, a atenção recebida pelos cultivos ligados ao biodiesel dentro do próprio governo ainda é pequena perto do que ocorre com outros “carros-chefe” como a sojicultura. O próprio coordenador do MDA realçou a existência de uma diferença dentro da Empresa Brasileira de Produção Agropecuária (Embrapa): “mais de uma centena” estão envolvidos com a soja e alguns poucos se dedicam à mamona.
Entre os principais avanços do PNPB, Marco Antônio destacou o aumento da adesão de agricultores familiares (principalmente no Nordeste), a reformulação de regras (novas instruções normativas), o monitoramento e a avaliação geral do programa (por meio de boletins trimestrais e publicações em revista), o estímulo ao crédito direcionado e a parceria com assentamentos da reforma agrária (48 projetos em Goiás e 52 em Mato Grosso).
Já entre os desafios, o representante do MDA citou a necessidade de aprovação de uma proposta tributária para desonerar a produção de biodiesel, de elaboração das normas referentes à integração das cooperativas ao programa, do incentivo maior ao desenvolvimento tecnológico e à gestão no campo; e da formalização do Selo Combustível Social em lei.
“O grande foco é a inclusão social. Existem dificuldades, mas o programa avançou bastante”, comemorou Marco Antônio.
Na mesma linha, Jânio Rosa, da Petrobras Biocombustível (PBio), buscou frisar o compromisso da empresa, que vem atuando há cerca de dois anos e meio no setor, para o fortalecimento do programa. Atualmente, a empresa mantém laços com mais de 60 mil agricultores familiares (30 mil por meio de cooperativas e 30 mil por meio de contratos individuais). “Inclusão social”, destaca Jânio, ”é inclusão econômica e financeira”.
Nesse sentido, para que a “inclusão econômica e financeira” de pequenos produtores seja efetiva, Janio ressaltou que “apenas benefício fiscal não funciona”. Segundo ele, culturas utilizadas para a produção dos biocombustíveis “não entram [normalmente] no ´mercado´” e exigem a adoção de uma lógica distinta, com vínculos que possam se estender ao menos por cinco anos e uma política de preços que atenda as famílias. No caso específico da mamona, o quilo, que chegou a custar recentemente apenas R$ 0,25 na cotação comercial, é comprado por R$ 1,25 pela PBio.
A empresa dispõe de uma série de dados que demonstram a evolução do engajamento e da abrangência de sua atuação, que tem como um dos focos a região da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) – que inclui, além da Região Nordeste, o Norte de Minas Gerais. Foram definidas metas de aumento de produção, produtividade e renda, com apoio a iniciativas de cooperativismo e segurança alimentar. Para os próximos anos, o investimento da PBio somente na área de pesquisas está previsto, nas perspectivas apresentadas por Jânio, em R$ 500 milhões.
Atualmente, a PBio mantém quatro usinas de biodiesel em operação e está ampliando mais uma unidade. A capacidade instalada de produção da empresa, alcança 550 mil m. A estatal também desenvolve dois projetos de dendê no Pará e entrou pesado no mercado de etanol de cana-de-açúcar. Dez usinas sucroalcooleiras compõem o leque da empresa, que se apresenta como terceiro maior grupo do país em volume de moagem.
“Queremos ser um dos cinco maiores produtores mundiais de biocombustíveis até 2020″, adiantou o representantes da empresa. Outra meta da PBio é aumentar a renda dos agricultores familiares parceiros no negócio de produção dos agrocombustíveis em até 20%.
Lógica e transição
Integrantes de organizações sociais e do círculo acadêmico adotam um discurso mais cético na análise da relação entre agrocombustíveis e inclusão social. Para eles, ainda existem muitas lacunas e resistências que complicam passos mais largos do PNPB no sentido de política pública que seja de fato um vetor para a inclusão social da camada pobre do país.
Um ponto importante, na visão de Romário Rossetto, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), diz respeito à diferenciação das iniciativas voltadas para a produção da agricultura familiar. Segundo ele, não se pode seguir as mesmas diretrizes empregadas em políticas destinadas à agricultura de caráter empresarial e comercial de larga escala.
A “lógica distinta” dos camponeses inclui o controle fundiário da terra, a utilização de força de trabalho familiar, a diversificação de cultivos e a preocupação com a sustentabilidade ambiental, seja por meio de produções consorciadas ou pela instalação de equipamentos como secadores solares e biodigestores. “São diferentes formas de sociabilidade”, disse Romário.
O MPA, que está presente em 17 Estados, vem desenvolvendo experiências que combinam o tungue com a criação de gado leiteiro. O movimento social adota princípios e práticas de “soberania energética”, com foco na autoprodução dos pequenos agricultores, na tentativa de apresentar e difundir alternativas ao modelo dependente do petróleo.
Como ponto de partida para o debate, o professor Ricardo Abramovay, da FEA/USP, avaliou que a definição de porcentagens cada vez maiores de biodiesel na composição do diesel combustível é relevante não apenas para ajudar na “descarbonização” da economia, mas também para a saúde dos moradores das grande metrópoles brasileiras.
Essa transição, contudo, tem sido acompanhada de uma série de problemas, segundo o mesmo professor. A proposta inclusiva e horizontal do PNPB - que parece ter surgido como contraponto ao caráter concentrador do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), lançado em 1975 para estimular o setor da cana – ainda não vingou na prática. Diante do universo heterogêneo da agricultura familiar brasileira, é possível notar o acúmulo de crédito no Sul e de programas de transferência de renda no Nordeste.
Outro tema preocupante é a dificuldade no quesito da diversificação dos cultivos utilizados como matéria-prima para o biodiesel. O predomínio absoluto da soja (seguido de longe pelo sebo bovino) mostra o tamanho do desafio, uma vez que quem está no ramo da sojicultura dificilmente pode ser considerado pobre. “É imensa a dificuldade de ´sair´ da soja. Não é simples substituir um cultivo que se tornou o que se tornou no Brasil após muito investimento e amplo ambiente favorável”, complementou Ricardo.
A elevada utilização porcentual da soja para a produção do biodiesel reacende ainda o conflito entre a necessidade geração de energia e a demanda por alimentos. ”Como ainda estamos no B5, [esse problema ainda] não tem tanta relevância. Mas com o B20 (20%) ou o B30 (30%), certamente terá”, explicou o acadêmico da FEA/USP.
Nesse contexto, o professor também considera crucial que o PNPB seja avaliado cuidadosa e transparentemente do ponto de vista de seus possíveis impactos socioambientais. A abertura para auditorias independentes e a incorporação de critérios confiáveis são algumas medidas indicadas para a elevação qualitativa da cadeia produtiva do biodiesel.
Sem negar a relevância do empenho da PBio, Ricardo vê a necessidade de maior engajamento do setor industrial e financeiro para dar mais consistência ao mercado e assegurar uma dinâmica própria que não seja forjada de modo artificial. Um dos principais estímulos está na própria atualidade da agenda: energia mais limpa e combate à pobreza.
Agenda de pesquisa
O seminário dedicou parte de sua programação ao debate mais específico das perspectivas de uma nova agenda de pesquisas relacionada ao tema. O pequisador Cesar Chappa, pesquisador da Universidade Nacional de San Martin (UNSM), em Tarapoto (Peru), apresentou um relato sobre projetos com pinhão-manso que vem avançando no país.
Segundo ele, há avanços interessantes em curso, inclusive no que tange à inclusão de pequenos produtores. No entanto, há também temores, como o aumento do assédio direcionado à posse das terras cultivadas pela agricultora familiar, o acirramento dos conflitos fundiários, os possíveis riscos de prejuízos às zonas ricas em biodiversidade etc. Esse mesmo zelo com relação aos impactos sociais e ambientais da expansão do biodiesel foi reforçado por Marcel Gomes, do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da Repórter Brasil, que destacou um conjunto de problemas apontados especialmente no relatório da organização que avalia o PNPB.
Na visão de Otto Hospes, da Universidade de Wageningen (Holanda), o PNPB inaugurou, em termos de governança, uma nova relação entre Estado e setor privado. A forma como se consolidará a relação com os pequenos produtores, completa, continua sendo um desafio. Para Otto, é importante que, além das pesquisas de campo, de caráter mais investigativo, também haja projetos de investigação mais voltados para a parte teórica e reflexiva.
Um dos dilemas apresentados por Georges Flexor, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), foi o da busca pela conciliação entre a escala de produção de biodiesel (2,5 bilhões de litros, conforme a cota definida pelo B5) com ênfase na inclusão social de famílias da agricultura familiar. Esse paradoxo terminou abrindo espaço, salientou, a quem já tinha mercado e patamar de renda (produtores de soja). Ele insiste na relevância do desenvolvimento de metodologias de pesquisa para estudar questões como os tipos de associação com os produtores, os traços das diferentes envolvidas em projetos e as particularidades das culturas escolhidas.
Pelo menos seis pontos sensíveis quanto ao PNPB podem ser identificados, segundo Arilson Favareto, da UFABC). O primeiro deles consiste na já citada combinação entre estruturas sociais e mercados. O segundo enfoca os impactos socioambientais. A lacuna da pesquisa e desenvolvimento compõe o terceiro; seguido pelo quarto concernente à visão estratégica (que engloba tributos, investimento público e privado, política energética etc.).
O quinto ponto sensível tem a ver com o protagonismo concentrado na PBio (com todo o seu viés favorável, mas que também traz consequências não desejáveis), enquanto o sexto trata da dificuldade no acesso à informação, uma vez que ainda falta transparência. Na avaliação de Arilson, o conteúdo gerado no bojo da nova onda de incentivo ao PNPB tem a capacidade de contribuir para a formação de um ambiente de trocas e reflexões que, se bem aproveitado, pode ajudar o programa a se definr e a se consolidar.
*do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis
**Originalemnte publicada no site Repórter Brasil
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